
Diferentes Facetas de um Jogo de Ganha-Ganha
Os produtos finais da construção civil são estruturas fixas de longa duração que geram impactos ambientais significativos. Os três principais são: o volume de extração de recursos naturais necessários para sua feição; o alto volume de resíduos sólidos tipicamente gerados; e o consumo de recursos de energia e água durante a construção e também durante o uso das estruturas.
Enquanto novas tecnologias construtivas dirimem o primeiro dos impactos ao reduzir a quantidade necessária de recursos naturais extraídos para uma mesma área construída, os outros dois merecem mais atenção: a quantidade de resíduos sólidos gerados pelo setor da construção civil chega a representar mais de 50% do total produzido por uma grande cidade brasileira; e prédios são os maiores consumidores de energia do mundo – 13% mais que transportes e 4% mais que a indústria. Estes impactos colocam os edifícios no epicentro das principais discussões internacionais sobre gestão ambiental e mudanças climáticas. Uma vez que edifícios têm vida útil longa e suas reformas estruturais são –quando possíveis– geralmente muito custosas, torna-se imperativo reduzir os impactos ambientais de novas construções.
Contexto Ambiental Internacional
Mesclando tecnologias de engenharia e soluções ambientais com novos materiais e técnicas construtivas, estruturas modernas conseguem altos graus de eficiência tanto na diminuição da geração de resíduos quanto na redução do consumo energético e de água em relação às mais antigas. Tais ganhos ambientais são, além de significativos, relativamente baratos quando comparados aos custos de melhorias ambientais equivalentes obtidas por meio de outros setores (transportes, por exemplo). Ademais, o setor construtivo no mundo inteiro sofre grande influência reguladora e opera sobre regras passíveis de serem alteradas de maneira menos burocrática do que as comparadas a outros setores, preponderantemente devido aos baixos graus relativos de concentração do mercado.
A combinação de todos os fatores abordados faz com que grandes esforços sejam enveredados ao setor da construção civil como forma de transformar ganhos ambientais potenciais em realidade, abrangendo o âmbito supra-nacional, o de políticas públicas e também o privado.
O principal exemplo na esfera supra-nacional está na Conference of the Parties da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, que se reuniu na Polônia em dezembro de 2008 para discutir prioritariamente a construção civil, abordando temas e desenhando metas a serem seguidas por todos os países assinantes. Governos de vários países europeus, tal como a Holanda, já delinearam metas específicas para o setor quanto à geração de resíduos e consumo energético, tomando a liderança de políticas públicas. Novas construções verdes européias, como o enorme Strata Tower em Londres, contém formas orgânicas de geração de energia e estão sendo subsidiadas pelo setor público, ávido por incentivar o novo e promissor mercado. Já no âmbito privado, um sem número de iniciativas estão ocorrendo, evidenciadas pelo mega-evento EcoBuild, que em 2010 atraiu mais de mil expositores e quarenta mil visitantes.
Contexto Brasileiro e Tendências Futuras
Dentro deste contexto mundial, as tendências do setor para o Brasil delineiam-se de maneira cada vez mais clara: as preocupações ambientais aumentam a cada dia, juntamente com a necessidade do país em demonstrar resultados concretos quanto à redução de impactos negativos e potencialização de impactos positivos. À semelhança do setor energético e de obras de infra-estrutura de grande porte, o setor da construção civil irá sofrer maior regulamentação, principalmente no que tange a gestão de resíduos sólidos. Esse argumento baseia-se em quatro fatores, listados e brevemente explanados a seguir:
- Existem poucos parâmetros para controle ambiental na construção civil, ao contrário do que já se observa, por exemplo, com segurança do trabalho;
- Os custos de abatimento das melhorias ambientais no setor são mais baratos quando comparados à outros setores mais concentrados e de difícil regulamentação;
- O mercado da construção civil é grande devido ao déficit habitacional e também muito jovem devido à estrutura demográfica do país; e
- O controle de resíduos sólidos por parte de empresas privadas gera uma externalidade positiva para os municípios uma vez que a responsabilidade pelos mesmos é assim transferida.
A tendência de maior regulamentação acima descrita já pode ser observada na prática. Curitiba, bem como algumas outras capitais brasileiras, contam com legislação municipal específica sobre a gestão de resíduos sólidos na construção civil. O decreto 1.068 da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, embora vigente desde 2004, passou a ser efetivamente exigido há poucos menos de um ano: o empreendimento Universe Life Square, da Joint Venture entre a Rossi e Thá, foi pioneiro na exigência de um Plano de Gestão de resíduos para a concessão de sua licença. Além do alvará, eventuais vistorias de execução do plano aprovado podem apontar não conformidades passivas de multa e, conforme o caso, até de embargo.
Outras medidas públicas também desvendam a tendência apontada, tal como a exigência da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Paraná para que restaurantes e shoppings também executem planos de gestão de resíduos (abril de 2008), embora estas tendam a ser mais timidamente controladas. A mesma secretaria também iniciou em maio de 2008 um ciclo de palestras e cursos em todos os Ceasas do estado para a conscientização da necessidade de boa gestão de resíduos, enquanto que o próprio Ministério Público implantou um plano para seu prédio.
Mudanças Positivas
Economia: A obrigatoriedade de planos de gestão de resíduos sólidos não se traduz para o setor da Construção Civil apenas em uma obrigação legal. Ao contrário, se executados com seriedade e profissionalismo, tais planos trazem economia de materiais às obras, uma vez que reduções de até 4 vezes são possíveis de serem alcançadas. Visto que em torno de 30% dos materiais de uma obra civil tornam-se resíduos, o potencial econômico de tais medidas certamente ultrapassam seus custos. Ademais, o cumprimento da legislação evita multas e atrasos de obra.
Relacionamento junto às Secretarias e Órgãos Ambientais: Indo além do aspecto puramente legal, o cenário de maior inserção das preocupações e objetivos ambientais dentro do setor da construção civil pode, se bem explorado, transformar-se em um grande diferencial. Secretarias e órgãos ambientais atentam-se para empresas que agem de forma pró-ativa nas questões de meio ambiente e as premiam por meio de agilidade em processos de aprovação, ações fiscalizadoras e afins. Empresas sérias e à frente das demais gozam de status positivo, além de servirem de exemplo e benchmark para o setor, à exemplo do que ocorre no setor energético. Essa diferenciação pode vir a ser fundamental para uma empresa no setor da construção civil, onde o timing e agilidade são fundamentais para gerir riscos e garantir margens de rentabilidade no ambiente altamente competitivo em que se insere.
Diferenciação da Marca: Atingidos diariamente por verdades irrefutáveis dos impactos negativos do homem em relação à natureza, os consumidores de todos os segmentos estão cada vez mais conscientes de seu fundamental papel quanto à operacionalização da sustentabilidade. Diversos setores industriais –de automóveis a produtos de limpeza– já demonstram que o consumidor, quando bem informado, atua preferencialmente de forma ‘verde’. No setor da construção civil não é diferente: imóveis ambientalmente corretos passam a ser cobiçados e, consequentemente, valorizados. Estudos demonstram que nos Estados Unidos um imóvel ‘verde’ é comercializado por preços de 3 a 5% superiores aos dos concorrentes ‘normais’. No Brasil estudos apontam para um diferencial potencial de até 20%. Hoje são mais de 20 o número de imóveis –todos em São Paulo– que buscam certificações ambientais, enquanto que os lançamentos de imóveis ‘verdes’ já ultrapassaram 10% do total de 2009 na Europa. A demanda por sustentabilidade está efetivamente crescendo e não deverá arrefecer-se, cabendo às empresas líderes usufruírem da comunicação de suas atitudes corretas –tal como a gestão de resíduos sólidos– para diferenciarem-se de maneira única.
Conclusões
O setor energético brasileiro é hoje um exemplo internacional de boas práticas ambientais. Nele, por volta de 1% do custo de qualquer nova empreitada é dedicado à essas questões, muito embora para o consumidor um watt seja o mesmo independente de sua origem – ‘verde’ ou não. O setor da construção civil rapidamente caminha para maiores restrições ambientais, porém um prédio não é igual ao outro. Vive-se hoje o momento ideal para que as empresas antecipem-se ao inevitável movimento e extraiam, de maneira séria e consistente, as vantagens de um posicionamento ambientalmente correto e de vanguarda. Os benefícios privados serão, assim, externalizados para benefícios públicos.