Mesmo sem perceber, vivemos em um constante estado de alerta sobre o mundo que nos cerca. Para os leitores de Kahneman*, estamos com o Sistema 1 sempre ativo e correndo paralelo com a nossa dita “consciência”, sendo esta compreendida pelo que “queremos” ou “ativamos” considerar, relevar, analisar, ponderar. Nosso inconsciente age como um radar, sempre à busca de uma nova ameaça da qual nos protegerá. Quando dirigimos pelas ruas, por exemplo, isso nos vem bem – sabemos quando desviar de certos obstáculos mesmo quando não os reconhecemos e não os processamos “conscientemente”. Esse “radar” aprende com o passado para projetar o futuro de forma brilhante. Se um dia pisamos em uma pedra de calçada solta e tropeçamos… para todas as pedras de calçada que possam eventualmente estar soltas, nosso “radar” enviará um alerta inconsciente de “cuidado”! Esse constante estado de alerta nos acompanha desde a época em que estávamos morando nas árvores e comendo restos de caça de leões e, em grande parte, é o que nos permitiu tamanho sucesso como espécie.

Resumo: nosso cérebro detém um modus operandi padrão e altamente eficiente de utilizar as lições aprendidas do passado para nos guiar pelo futuro. Como diria um grande amigo “cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça”… Bem… por mais que essas lições nos permitam andar na rua sem (ou com menos) tropeços e a tomar banho e cantar sem nos delongar na tarefa principal (supõe-se que seja o banho, no caso), as implicações desse “radar” inconsciente são profundas quando pensamos no futuro.

Para os leitores de Taleb**, sabemos que simplesmente não somos condicionados – de forma natural – a pensar sobre mudanças bruscas de rumo. É justamente por essa condição que momentos óbvios de ruptura (ex-post) eram totalmente invisíveis ex-ante. Isso não é novidade… o mundo sempre deu “saltos” que deixaram abismados os que por eles atravessaram. Mas líderes devem antever a transição e dela desfrutar, não dela se abismar.

Se algo já ocorreu antes, conseguimos trabalhar com sua probabilidade de ocorrência futura. Mas… e as mudanças climáticas? Elas nunca mudaram o clima antes. E os padrões de consumo da nova geração? Eles nunca mudaram o consumo antes. E a nova demografia mundial? Ela nunca antes ocorreu…

Diante de tamanhas e tão profundas modificações – climáticas, tecnológicas, demográficas e geopolíticas – nos cabe driblar nosso modus operandi padrão e articular as percepções a cerca do futuro, explicitando suas imprevisibilidades e reduzindo a variabilidade de suas possibilidades. Não se procura prever o futuro que de fato ocorrerá, mas sim explicitar e articular a imprevisibilidade, construindo mapas de contextos futuros possíveis, alternativos. O passado não mais representará o futuro.

Afinal, o futuro é uma prática de construção social e apenas observando sua realidade é que se terá certeza de seus desdobramentos – infelizmente transformando-o em um presente onde o tempo hábil para a decisão permanecerá para sempre no passado.

* Daniel Kahneman é psicologista e prêmio Nobel de Economia. Autor do best-seller Rápido e Devagar (2011).

** Nassim Nicholas Taleb é estatístico, financista e analista de risco, cujo livro O Cisne Negro (2007) foi eleito pelo Sunday Times como um dos 12 mais influentes desde a 2ª Guerra Mundial.