O objetivo desse post, que de certa forma sequencia os demais sobre resíduos, é ilustrar um pouco a situação da reciclagem e das cooperativas de resíduos sólidos recicláveis.

Durante os últimos 20 anos, os países desenvolvidos têm descoberto o valor da reciclagem como parte integrante de seus sistemas de gestão de resíduos (e de recursos), e têm investido pesadamente na infraestrutura física e em estratégias de comunicação para aumentar as taxas de reciclagem. Sua motivação advém do valor de commodity dos materiais recuperados e da competitividade da cadeia da reciclagem relativa aos altos custos de disposição final, seja em aterro sanitário ou incineração.

Já países em desenvolvimento e em transição detém situação distinta, com uma participação significativa de um setor informal de coleta e triagem e sistemas de microempresas de reciclagem, reuso e reparo, que representam iniciativas importantes em direção ao estabelecimento destas atividades como um setor econômico para melhorar as taxas desejadas de recuperação de materiais.

De acordo com o último Panorama dos Resíduos Sólidos 2013 (ABRELPE, 2014), o Brasil gerou em 2013 4% a mais de lixo do que em 2012 (lembrando que o PIB cresceu 2,5% nesse mesmo período). O lixo gerado continua tendo em sua destinação final uma grande deficiência: 41,7% dos resíduos sólidos urbanos coletados não tiveram uma destinação final adequada, ou seja, foram parar em vazadouros à céu aberto (o termo chique de lixão) ao invés de irem para aterros sanitários.

Uma vez que 3.344 municípios brasileiros ainda não utilizam aterros sanitários, não é surpreendente que uma quantidade enorme de materiais recicláveis acabem sendo descartados sobre o solo, sem nenhum cuidado e nem tratamento – isso quando são coletados e não acabam lançados em cursos d’água ou em terrenos baldios.

O estudo Panorama da Reciclagem no Brasil (CEMPRE, 2013) indica que foram recicladas nas grandes cidades uma fração de aproximadamente 27% dos recicláveis gerados. Uma vez que os recicláveis são aproximadamente 40% do total de resíduos gerados, reciclou-se pouco mais que 10% do total gerado.

Para comparações, seguem alguns percentuais de reciclagem pelo mundo, incluindo recuperação energética (WtE):

  • Brasil: 10%
  • Bélgica: 95%
  • Dinamarca: 95%
  • Japão: 88%
  • Itália: 65%
  • França: 55%
  • Estados Unidos: 32%
  • Portugal: 25%

A separação dos resíduos e a existência de coleta seletiva são os primeiros passos para viabilizar processos de reciclagem. Muito embora a quantidade de esquemas para a coleta seletiva tenha aumentado bastante nos últimos anos, abrangem apenas 927 municípios em 2014 (Ciclosoft 2014 – Cempre), ou 17% dos municípios brasileiros.

A coleta seletiva é mais cara do que a coleta de rejeitos (“lixo que não e lixo” para quem mora/morou em Curitiba/PR), uma vez que os caminhões não podem compactar os resíduos e, assim, levam menos peso. Enquanto, grosso modo, a coleta normal custa aproximadamente R$ 90/ton, a seletiva chega a R$ 150/ton. Outro encarecimento é que um esquema de coleta seletiva será sempre adicional ao esquema de coleta porta-a-porta dos rejeitos.

Em 51% dos municípios que detém algum esquema de coleta seletiva, seja ela porta-a-porta e/ou com postos de entrega voluntário – PEV, a prefeitura municipal apoia ou mantém cooperativas de catadores como agentes executores da coleta seletiva municipal (Ciclosoft 2014 – Cempre). De forma bastante explícita, o modelo adotado no Brasil para a reciclagem foi e é realizado por meio dos catadores, como reforça a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, Lei nº 12.305/2010.

Se os catadores são responsáveis pela coleta em 51% dos municípios, em praticamente a totalidade dos municípios, são as cooperativas de catadores que realizam a triagem do material reciclável. As cooperativas detém, em parte das vezes, esquemas próprios de coleta de recicláveis por meio de associados carrinheiros. Outras vezes, as cooperativas compram resíduo de carrinheiros autônomos.

Existem, claro, catadores autônomos que se antecipam ao caminhão de coleta de lixo, seja ela regular ou seletiva, e separam materiais em empresas ou prédios de forma autônoma às cooperativas e também os comercializam de forma individual. Geralmente essa catação é focada em materiais facilmente comercializáveis, notadamente garrafas PET, latas de alumínio e fiação de cobre.

Enfim, as cooperativas recebem os resíduos que, quando separados ou segregados em casa, no escritório ou na fábrica (resíduo doméstico, não industrial), são direcionados para a “reciclagem”. Porque as aspas? Em geral, um terço (33%) desse resíduo reciclável é contaminado ou mal triado, de forma que as cooperativas devem endereça-los ao aterros sanitários ou lixões, seja lá qual for a “opção” da cidade onde estão. (‘Opção’ também entre aspas porque a PNRS – Lei nº 12.305/2010 – determinou o encerramento dos lixões até meados do ano passado (2014)).

As estruturas de triagem e comercialização dos materiais reciclados são, como não deve ser surpresa, paupérrimas. Mais sobre as cooperativas seguirá em outro post.