Situação econômica brasileira: Precisamos migrar para novo modelo de desenvolvimento

Entre os anos de 1950 e 1980 o Brasil passou por ciclos econômicos de expansão. Crescemos 7,4% entre os anos de 1950 e 1960; 6,2% na década seguinte (1960-70); e 8,6% na década de 1970 a 1980. Dessa forma, o PIB per capita do Brasil cresceu à taxa média anual de 4,6%, de 1950 a 1980, mesmo à luz das altas taxas de crescimento demográfico (que em muitos anos superaram os 3%).

Houve, entretanto, uma desaceleração do ritmo de crescimento da economia brasileira nas duas últimas décadas do século 20, com a taxa média do PIB ficando em 1,6% na década de 1980-90 e em 2,6%, na década de 1990-2000, o que significa inexpressivas taxas em termos per capita.

Tão importante quanto esta desaceleração, foi o caráter não-sustentado da modesta expansão desde o Plano Real, a qual se configurou como ciclotímica. Nossa média de crescimento entre 2001 e 2010 foi de 3,6%, com pico de 7,5% (2010) e queda de 0,6% (2009). Entre 2011 e 2014 crescemos em média 1,5% ao ano (a depender do resultado de 2014, que ao que tudo indica seja de 0,1%).

Observam-se persistentes restrições e condicionalidades no atual modelo de desenvolvimento da nossa economia, nos relegando como eterno “país do futuro”. Pontua-se abaixo as mais notáveis:

  • O Governo Federal, por meio de medidas de investimento e incentivo ao consumo, deteve expressiva participação no crescimento da demanda interna ao longo dos últimos sete anos. Ao invés de agir de forma genuinamente anticíclica, a manutenção dessa atuação tão marcante por tanto tempo traz como inevitável trade-off o aumento perverso das contas públicas.
  • O efeito prático de um Governo tão grande e pesado na economia levou ao “crowding-out” do investimento privado, gerando estagnação no investimento produtivo. O Governo, traduzindo, se apropria em demasia da poupança privada, tendo como resultado uma pífia formação bruta de capital fixo (tradução de investimento estrutural na economia). Enquanto sofremos para investir ~20% do PIB, a média dos países que detém crescimento alto é de 27%.
  • Nesse contexto, a política monetária permanece como refém da política fiscal e não tem como deixar de aplicar o “remédio amargo” dos juros altos. Embora eficientes em canalizar poupança interna e externa para financiar a gastança pública, pouco fazem para coibir nossa inflação de custos (sem investimento produtivo, não há recurso escasso que faça milagre de aumentar produtividade!). As pressões sindicais por reajustes salariais, que estavam em grande parte adormecidas pela estabilidade de preços e pelos ganhos reais de renda, voltaram e permanecerão pressionando os custos.
  • Temos ainda uma pressão inflacionária “escondida” nos preços administrados, que permaneceram artificialmente baixos, mas que deverão sofrer aumentos significativos. Por fim, não esquecer que nossa inflação é altamente influenciada pelo câmbio, que se manteve sobre-apreciado (até agora) pela atração de capitais externos especulativos atrás de nossos juros altos (em épocas de juros zerados no mundo desenvolvido!).
  • O crescimento da última década e meia, motivado pela demanda interna em sobreposição à demanda externa, agora cobra seu preço na conta de capitais. Enquanto o preço das commodities agrícolas e minerais se manteve em patamares recordes, conseguimos superávits de exportação mesmo com um câmbio apreciado e uma infraestrutura econômica ridícula. Agora que há senão uma contração, ao menos um ajuste negativo no valor das commodities, nossa conta com o exterior rapidamente se deteriora (estamos tendo o “privilégio” de assistir isso de camarote).

A manifestação presente da inflação é a prova de que, não obstante haja disposição do Governo em continuar a expansão da demanda agregada para combater o atual contexto de arrefecimento econômico, estamos no limite. Eis que as restrições e condicionalidades pontuadas acima são as mais gritantes, embora tenhamos (infelizmente várias) outras, como o hiato no desenvolvimento científico e tecnológico e obstáculos fiscais aos investimentos.

Não se trata apenas do fim de um ciclo econômico, mas sim da exaustão de um modelo de desenvolvimento.

Devemos ter coragem e serenidade para realizar os profundos ajustes ortodoxos agora necessários para subtrair peso e preponderância do setor público. Mais ainda, precisamos avançar em um novo modelo de desenvolvimento. Os pilares desse novo modelo são pontuados abaixo:

  • Retomada da mudança do papel do Estado na economia por meio do reforço institucional às agências reguladoras (mais técnicos, mias orçamento e muito mais independência política), processos de privatização, de desregulamentação e de parcerias público-privadas.
  • O Governo deve passar a coordenar (e apenas coordenar) o processo de desenvolvimento por meio de mecanismos de intervenção indireta e de planejamento indicativo, para além de conceder maior rigor institucional e regulamentar à operação privada de setores estratégicos (energia elétrica, telecomunicações, petróleo, recursos hídricos) com vistas não apenas ao crescimento econômico, mas também à sustentabilidade ambiental e à equidade social.
  • Conceder à iniciativa privada o papel mais relevante no processo de conceber e de implementar os projetos de investimento, tanto em setores diretamente produtivos quanto em setores de infraestrutura econômica. Mesmo com um contexto econômico adverso, o setor privado têm alçado compartilhamentos públicos ao viabilizar conexões nacionais e internacionais multimodais, ampliando mercados e acessos para realização de exportações e importações.
  • Ampliação do grau de abertura da economia brasileira. No início, essa dinâmica dependerá das exportações, entre as quais se destacam os valores absolutos e percentuais das cadeias produtivas onde recursos naturais renováveis e não-renováveis são um ponto crítico. Devemos fazer uso inteligente do fluxo dos serviços ambientais providos pela nossa ampla e diversa base de recursos naturais pode conceder ao Brasil vantagens comparativas internacionais para um crescimento mais sustentado (utilizando os fluxos em detrimento aos estoques).
  • O novo modelo de desenvolvimento precisa dar mais valor aos fatores produtivos não-tradicionais, como: ambiente cultural propício à inovação, centros de pesquisa, trocas intensas de conhecimento e informação com o exterior, instituições governamentais flexíveis, recursos humanos formados e informados com excelência, dentre outros. Estes fatores nunca serão originados pelo Governo, mas podem e devem ser por ele facilitados e instigados. O nível de desenvolvimento das instituições políticas e das organizações econômicas deve atingir um patamar que favoreça a formação de ciclos de expansão no País a partir de forças endógenas.

Por fim, devemos lembrar que estamos atravessando um período único no desenvolvimento de um país que se chama “bônus demográfico” – fenômeno que consiste na redução da fecundidade associada ao crescimento da população em idade ativa, sem ser ainda acompanhada de intenso processo de envelhecimento populacional. As mudanças substanciais no padrão demográfico brasileiro terão consequências gerais e profundas em nosso processo de desenvolvimento econômico e social, reforçando a necessidade de se implementar – e imediato – um novo modelo de desenvolvimento. Modelo esse que nos remeta genuinamente ao futuro ao invés de nos levar francamente à uma infeliz reprise do nosso próprio passado.