Demografia e economia: Influência inegável, tratamento medíocre

A demografia é fator fundamental para a economia sob qualquer ótica, nacional ou regional. Essa última é bastante evidenciada pela intensa transformação econômica e social observada nas últimas duas décadas no Brasil: regiões quase que exclusivamente agrícolas, com perfil familiar de mão-de-obra, passaram a se dividir em: (i) poucas regiões urbano-industriais de crescimento e dinamismo econômico, absorvedoras de mão-de-obra técnica e que rapidamente se adensam em população; contra (ii) muitas regiões de baixo dinamismo econômico e decrescentes densidades demográficas. Uma região que atrai mão-de-obra e rapidamente se adensa, por exemplo, passa a sofrer maiores demandas por serviços e equipamentos públicos e, como em um repente, passa a ter problemas com mobilidade e segurança. A estrutura etária da população indica a direção de tais movimentos: nas regiões de grande dinamismo há uma menor participação relativa de pessoas com menos de 19 anos de idade, em contrapartida à acréscimos na proporção das pessoas acima de 45 anos de idade. Normalmente, o grupo etário entre 20 e 45 anos é o que está mais disposto a migrar em busca de oportunidades de emprego.

Da mesma forma, a proporção de pessoas idosas (>65 anos), é mais estável por ser menos suscetível à emigração – e representa demandas públicas distintas. Nos próximos dez anos, a maior pressão por recursos públicos se dará pela população mais velha em detrimento à mais nova: haverá menor necessidade relativa de intervenções públicas nas áreas de atenção à saúde e à educação para as pessoas com até 14 anos de idade e, por outro lado, intensificação de ações em atendimento às pessoas mais velhas.

A taxa de fecundidade total (número de filhos por mulher) no Brasil era de 2,73 em 1991. Em 1995, havia caído para 2,49 e, cinco anos mais tarde, nova redução para 2,29. Em 2005 o país já demonstrava fecundidade abaixo da taxa de reposição (1,99), sendo que em 2011, seis anos depois e último dado disponível pelo DATASUS, a taxa nacional alcança 1,78 – ao nível de países europeus. Esses dados traduzem em números a revolução demográfica em curso no país, o que evidencia, entre diversos outros aspectos plausíveis, independência feminina, grau de instrução e capacidade de planejamento familiar.

Embora diferentes regiões do país experimentem níveis distintos de fecundidade, todas compartilharam da tendência de redução. Como exemplo, tem-se a região Norte, onde em 1991 a taxa de fecundidade era de 3,99 e caiu, em 2011, para 2,26. Seguindo (e compondo) a tendência nacional, a região caminha inevitavelmente para uma taxa de fecundidade abaixo da reposição. Embora isso ocorra, ao menos para a próxima geração a população continuará a crescer em números absolutos. Isso ocorre porque a base da população em idade de reprodução ainda permanecerá. Não obstante, tal crescimento se dará momentaneamente, seguido por queda na população.

Os indicadores populacionais nacionais referentes à longevidade e mortalidade apontam também no sentido de grandes mudanças: enquanto o Brasileiro nascido em 1991 esperava viver 66,9 anos, aquele nascido em 2011 gozará de 7,6 anos a mais. Ao mesmo tempo em que os dados atuais remetem à uma população menor no futuro, percebe-se que há no Brasil a entrada de uma larga faixa de população na idade ativa, fenômeno conhecido como “bônus demográfico” ou “janela demográfica” (“demographic dividend”) e bastante evidente nas pirâmides etárias abaixo ilustradas.

Essa dinâmica, que resulta em estreitamento da base da pirâmide etária, alargamento do seu cento e aumento do topo, se constitui período extremamente favorável ao desenvolvimento, pois há um aumento da participação das pessoas potencialmente ativas, ao passo que as em idade não economicamente ativa reduzem a sua participação.

O fenômeno consiste na redução da fecundidade associada ao crescimento da população em idade ativa, sem ser ainda acompanhada de intenso processo de envelhecimento populacional. O incremento populacional se dá à taxas decrescentes mediante o persistente declínio da taxa de fecundidade concomitante à um aumento considerável da população em idade ativa – refletindo as altas taxas de fecundidade do momento antecedente.

Taxas de crescimento anualizadas no Brasil entre os censos demográficos e grau de urbanismo (fonte: IBGE):

  • 1980-1991: crescimento anual de 1,93%, 75,6% urbano
  • 1991-2000: crescimento anual de 1,63%, 81,2% urbano
  • 2000-2010: crescimento anual de 1,17%, 84,4% urbano

Como antecedente à observada transição demográfica, passamos por momento de rápido crescimento demográfico marcado pela paulatina redução nas taxas de mortalidade – resultando em crescimento vegetativo positivo da população com estrutura predominantemente etária jovem. Como próxima fase, podemos esperar que os baixos níveis de fecundidade e mortalidade gerem crescimento populacional mais lento, com diminuição do peso da população em idade ativa e significativo envelhecimento da estrutura etária.

O gráfico abaixo projeta, como forma de se apreciar a relevância de tais fenômenos, a população brasileira de acordo com as taxas de crescimento passadas, contrastando-as com a projeção da ONU* para o país em 2050.

Sob o prisma da economia regional, as mudanças na demografia nacional são enormes e acarretam em alterações nas diversidades regionais, nos rumos e as repercussões que daí emergem. As marcas demográficas resultantes do inevitável processo em curso serão sentidas durante anos! Regiões inteligentes devem começar a planejar esse futuro hoje, considerando demandas como água, esgoto e resíduos; uso do solo; mobilidade, abastecimento; e equipamentos urbanos.

* A divisão de população da ONU e seu banco de dados populacionais (World Population Prospects) trabalha com três possíveis trajetórias de crescimento populacional: (i) baixo crescimento, que  projeta um Brasil de 2050 com 199 milhões de habitantes; (ii) médio crescimento, resultando em 231 milhões; e (iii) alto crescimento, colocando a população brasileira de 2050 em 267 milhões.

Por fim, nota-se que o fenômeno demográfico em curso no Brasil não lhe é exclusivo! Sugiro esses dois vídeos extremamente ilustrativos:

O Banco Mundial traz uma interessante discussão sobre o “bônus demográfico” (“demographic dividend”) e seus potenciais efeitos na redução da pobreza: Development Dialogue: Does Demographic Change Pay a Dividend for Health and Nutrition?