
… a solução? Parar de consumir; parar de contribuir!
Em uma inspirada discussão com meus amigos Ramina e Julian, repassamos os eventos de protesto contra a ganância corporativa que, segundo o site da BBC, “reuniram dezenas de milhares de pessoas em mais de 900 cidades de 82 países ao redor do mundo” até esse domingo dia 16/10/2011.
A combinação inusitada entre a quantidade, a abrangência e o pleito das manifestações expõe o inconformismo com a situação econômica de desemprego, estagnação e, primordialmente, falta de horizontes positivos. Mais ainda, ela denota a incapacidade das “pessoas normais” (ou os outros 99%) conseguirem dar cabo de suas próprias vidas e respectivos umbigos sem ter que “pertencerem ao sistema”. É uma combinação que remete à crise existencial da Pequena Sereia (Disney®)!
E não é a toa que a situação é mais aguçada justamente para os “novos ricos da Europa”, os PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha). A história recente nos mostra que à estes países foi vendida uma ideia de forte desenvolvimento quando da formação da União Europeia e consequente zona do euro. E todos aceitaram. Afinal, ninguém no mundo pode ser contra o desenvolvimento! Eis que está aí, na definição do termo, a perversa arma dessa “entidade” que corre à boca grande pelo nome de “sistema”, “mercado” e “corporação”.
Não quero fazer uma crítica ao sistema capitalista per se, mas sim a uma de suas primordiais falhas – e uma que acredito que ainda possamos corrigir: a falsidade de se mensurar desenvolvimento pelo crescimento.
Crescer economicamente, aumentar o PIB… essa meta, universal e transformada em verdade-tabu pela maioria escandalosa dos economistas, cria distorções absurdas:
- alguém que leva um tiro contribui positivamente para o PIB – mobiliza equipes de socorro, médicos, infraestrutura… demanda remédios, policiais, jornalistas para cobrir o ‘episódio’…
- a explosão da plataforma da BP no Golfo do México no ano passado contribuiu positivamente para o PIB americano – mobilizou equipes de contenção do vazamento, cientistas para analisar a extensão do estrago, advogados para defender e acusar as partes envolvidas, perícia etc….
- a crise americana do sub-prime formou-se ao longo de quase uma década onde… o que ocorria mesmo? Ah, claro, o PIB crescia!
Poderia citar mil e um exemplos, mas não acho necessário: da home page de qualquer canal de notícias eles emergem com facilidade. O PIB é uma medida tão errada que soma custos e receitas! Imaginem um contador adotado essa mesma regra para uma S/A – estaria sumariamente demitido e expulso do CRC! Mas crescer o PIB é bom, pelo menos para alguns…
… e acredito que seja exatamente esse o ponto de frustração e consequente motivador das manifestações atuais: tem sempre alguém que lucra com essa estupidez de “temos que crescer porque é bom”. Os PIIGS entraram nessa e cresceram muito por muitos anos. Mas será que eles precisavam, ou mesmo queriam? Grosso modo, de 1960 até 2000 esse é o resultado do “tal do crescimento”:
- a população mundial dobrou (2x) enquanto que o valor econômico do mundo sextuplicou (6x).
Isso significa um salto e tanto no PIB per capita: todos ficaram 3 vezes mais ricos! Mesmo? Sim, na divisão entre o PIB e o “capita”. A distribuição dessa riqueza não mostra uma riqueza tão maior assim. Tampouco a Terra, nossa casinha flutuante, aumentou. E eis o resultado (novamente grosso modo, entre 1960 e 2000):
- a produção de alimentos aumentou 2,5x; o uso de água doce 2x; o corte de florestas 5x; a quantidade de rios barrados 4x…
Está claro que estamos muito próximos do limite da miopia dessa “entidade” que não considera os custos sociais e ambientais em suas entranhas, mas sim os exclusivamente privados. Teríamos que deduzir do PIB: a perda da felicidade da família do baleado e a insegurança que isso gera; o impacto ambiental do petróleo infiltrado na cadeia alimentar das espécies marinhas do golfo do México; a situação de desamparo das pessoas que perderam suas casas, empregos e agora estão abaixo da linha de pobreza (15% dos americanos).
E os PIIGS, BRICS etc? Parafraseando Eduardo Giannetti da Fonseca: “os países que estão chegando tardiamente à festa do consumo não poderão participar dela da forma que fizeram europeus e norte-americanos“. Mas… “justo agora que Dona Maria quer passar batom????“, parafraseando dessa vez Nizan Guanaes.
Dona Maria quer passar batom porque a “entidade” faz com que ela sinta necessidade de passar batom. Tudo bem o batom, mas… e se os 7 bilhões de terráqueos tivessem um carro? Hum… os fabricantes de carro iriam adorar! Mas estaríamos mais felizes? Teríamos algum fragmento de “natureza” se 7 bilhões de carros feitos de aço e plástico rodassem por aí queimando petróleo??
O gráfico abaixo traz no eixo vertical a medida subjetiva de bem estar ou felicidade; na horizontal o PIB per capita. O que se vê? Dinheiro traz felicidade até um certo ponto, depois disso… não traz nada mais. E a curva sobe bem rápido, indicando que são justamente os primeiros incrementos que são os significativos.
Recorrendo à velha e boa hierarquia das necessidades de Maslow, temos como primordial (1º degrau, ou base da pirâmide) as necessidades fisiológicas básicas (devemos humildemente reconhecer que somos, afinal, animais) – e isso custa dinheiro. Precisamos de uma casa, de um banheiro, de comida… Já no 2º degrau temos as necessidades de segurança – ok, isso também custa dinheiro, mas não só! Já nos 3 degraus subsequentes temos necessidades sociais (3º), auto estima (4º) e auto realização (5º). Ora, nenhuma dessas necessidades depende de dinheiro. Por vezes, é até o contrário! Vejam esse excepcional TED Talk do Dan Buettner sobre as Blue Zones.
E porque não paramos de crescer e passamos a nos desenvolver? Porque há muito interesse no jogo do crescimento e ninguém quer perder. Mas não há saída: os que mais lucram com a “entidade” vão ter que perder para a sociedade e o planeta como um todo ganharem.
Tomara que os manifestantes que hoje estão acampados mundo afora contra a ganância corporativa incitem uma onda de anti-consumismo – é essa a única atitude que tirará o combustível da “entidade”. E os governos, onde entram? Ora, por legitimarem a “entidade”, estão sendo por ela pagos para defendê-la (existem diversos ótimos materiais sobre isso, mas deixo aqui o mais didático de todos: The Story of Stuff). Temos de cortar o combustível dos governos também – parando de contribuir com nossos impostos e taxas!
Só atitudes anti-consumo e anti-contribuição podem parar de alimentar a “entidade”. Assim a desmontaremos pelas entranhas… e quiçá chegaremos num sistema econômico onde as externalidades estejam devidamente internalizadas.