A Dicotômica Política Ambiental Brasileira

O Brasil é visto como um dos principais ‘players’ no cenário ambiental global, seja pela Amazônia e sua ameaçada conservação ou pela potencialidade econômica de uma das maiores economias em desenvolvimento. O país revela uma matriz de energia limpa, onde por volta de 75% da eletricidade é produzida por hidrelétricas; também uma matriz de combustível limpo, onde mais de 50% das vendas de carros nos últimos três anos tem sido de modelos ‘flex’ (lembrando que o nosso ‘flex’, feito com cana de açúcar, é melhor em todos os sentidos do que o ‘flex’ americano de milho). No entanto, somos também o quarto maior emissor de CO2 do mundo graças à deterioração de nossas florestas (ainda) remanescentes.

A dicotomia brasileira não é apenas evidente no que se refere às emissões de gases de efeito estufa, onde acima de três quartos do CO2 emanam de florestas perdidas, mas também sublinham a maioria das políticas ambientais nacionais. Há um sutil dilema em quase todas as atitudes governamentais que corroboram com desenvolvimentos insustentáveis e que urgem por uma abordagem completa e holística em direção a um futuro efetivamente mais limpo. A inabilidade de promover o progresso juntamente com um gerenciamento ambiental decente é o resultado de um cenário econômico e político de alta complexidade, onde poderosos grupos de pressão, as necessidades sociais, uma estrutura legal intricada e uma pressão para o desenvolvimento se confundem.

Embora nosso imenso território devesse permitir múltiplos e sustentáveis usos da terra – deixando espaço suficiente para florestas intocáveis – os limites florestais Amazônicos estão sendo rapidamente levados ao limite. A mecânica de mudanças insustentáveis envolve uma seqüência de relações de causa-efeito que freqüentemente começa com madeireiras ilegalmente “adquirindo” direitos de propriedade de ricas áreas de floresta de madeira (há um vasto leque de métodos para falsificação de documentos de propriedade de terra, como o uso do grilo na gaveta ou mesmo a tomada proposital de multas). O burocrático vácuo da ausência de lei que existe na vasta e abundante região Amazônica permite que madeireiros desloquem (pela força se necessário) habitantes locais e vendam todos os procedimentos legais. A seguir vem os criadores de gado que capitalizam na terra “legal” e semi-limpa para criar seus animais. Após cerca de cinco anos, quando a terra não é mais boa para o gado, os criadores a vendem por uma barganha para fazendeiros de larga escala que detém a tecnologia necessária para fertilizar o solo e plantar soja ou outra commodity de exportação (quase sempre uma monocultura). E assim o ciclo do desmatamento segue floresta adentro.

Através de fortes e bem organizados lobbies, os produtores de soja e criadores de gado conseguiram que o PAC do governo (Programa de Aceleração do Crescimento) assegurasse a pavimentação de várias estradas na Amazônia – tradicionalmente o maior vetor de destruição. Cortando incontáveis minas de ouro, diamante e cobre, além de mais de dois terços do potencial hidrográfico nacional inexplorado, alguns outros setores também vigorosamente fizeram campanhas pró-estradas. Com esses recursos envolvidos e com o alto escalão do governo sustentando interesses privados na questão, legislações mais frouxas foram sendo introduzidas, tais como a altamente ‘perigosa’ Medida Provisória 458/09 que regula leis de propriedade na Amazônia (sancionada pelo Presidente com apenas os vetos mais óbvios).

A burocracia e a estrutura legal do país, paradoxalmente, está do lado dos conservacionistas. Investir em infraestrutura é tido quase como uma atividade arriscada, com possibilidades quase concretas de se dobrar os prazos previstos por atrasos injustificados. Outra fonte de “proteção” vem das agências regulatórias independentes, embora algumas vezes elas não tenham a autonomia necessária e acabem servindo a interesses privados. O conjunto de leis ambientais é também minucioso, obrigando estudos de impacto para basicamente toda nova construção.

O dilema da política brasileira é evidenciado mais além pela criação de um fundo internacional para financiar a conservação florestal em troca da manutenção de serviços ambientais prestados. A incorporação de conceitos tais como o pagamento por serviços ambientais evidencia que muitos esforços dispersos em direção à conservação estão de fato acontecendo. O governo recentemente publicou uma lista de usuários ilegais da Amazônia, culminada por grandes produtores de carne como o Grupo Bertin. ONGs também desempenham um importante papel ao tornarem público outros biomas frágeis que precisam de proteção. A Amazônia não é o único bioma que merece os esforços conservacionistas como já é a mais protegida em comparação com os outros cinco.

Pode bem ser que as rodovias amazônicas pavimentadas venham a ser utilizadas para policiar criminosos do meio ambiente ao invés de lhes conceder livre acesso à floresta – o Ministério do Meio Ambiente recentemente recebeu  mil novos guardas florestais para lutar contra a destruição da Amazônia. Boas novas? Esperava-se que ele recebesse três mil. Enquanto o plano da criação da Guarda Florestal Nacional foi arquivado, o Ministério das Minas e Energia está segurando a criação de nove unidades de conservação ainda por causa de seu interesse nos minerais lá escondidos.

Não há, portanto, nenhuma resposta direta em relação à política ambiental brasileira, mas um leque de fatores que devem ser considerados a fim de se possa apresentar qualquer nova política ou relacionamento possível e significante com outros países. Já temos provas abundantes de que o desenvolvimento sustentável é possível, viável e mais lucrativo do que o tradicional. Resta ao governo aceitar na prática o novo ‘modus operandi’ global e parar com suas decisões equivocadas, implementando genuinamente as políticas de conservação.