
A Solução da Economia para os Problemas Ambientais
Os problemas ambientais constituem ameaças à humanidade maiores do que guerras e conflitos. Esta afirmação, quase categórica, advém do fato de que são justamente estes (acesso a água, petróleo, terras férteis, minérios etc.) que sublinham a maioria daqueles. As mudanças climáticas talvez representem o ápice deste longo processo de transformação da terra e de seus recursos naturais pelas mãos do homem. Faz 200 anos apenas que nós (Homo sapiens) não passávamos de um milhão, época em que o meio ambiente não era fator de atenção. Foi concomitante à expansão demográfica e aos longos ciclos de expansão econômica que os problemas ambientais afloraram, trazendo consigo, na linguagem da economia, o “fator de produção terra” para a pauta das discussões globais.
Foi o movimento hippie, nos idos de 60, a dar o primeiro indício de insatisfação com a qual o “fator terra” era explorado, muito embora as românticas e coloridas vozes fossem sempre caladas pelas altas taxas de crescimento econômico – simplesmente não havia tempo para aquilo. Já nos anos 70 e 80 uma incontável gama de estudos advindos em sua enorme maioria das ciências da terra começaram a despertar uma preocupação real quanto à escassez de recursos naturais, notadamente o petróleo. As famosas chuvas ácidas em solos norte americanos fizeram emergir severa legislação de controle de poluentes (o Clean Air Act).
Já na década de 90 o rápido desenvolvimento tecnológico e o crescimento econômico voltou a substituir as preocupações ambientais através de conceitos como co-evolução, sustentabilidade e decoupling, que traziam a leve e prazerosa sensação de que poderíamos crescer ad infinitum da mesma maneira sem maiores problemas. Hoje tudo mudou: o longo, complexo e profundo trabalho das ciências da terra em compreender as relações simbióticas entre o homem e seu meio (e entre o próprio meio) ecoou nas ciências sociais, que descobriram quase num repente que “alguém” paga pelo oba-oba do abuso do “fator de produção terra”. Conclui-se, em última, instância a impossível convivência pari passu do crescimento econômico com a preservação dos recursos naturais.
Passados quase cinqüenta anos de preocupações com o meio ambiente, a desconcertante conclusão traz à tona a pergunta do que fazer, como sociedade, para escolher entre o crescimento econômico e a preservação da natureza. A resposta, mais simples do que parece, é focar a pergunta na sua primeira (e aparentemente intocável) metade e responder à essa pergunta: porque continuar crescendo como crescemos?
O célebre economista ambiental Herman Daly escreveu, em 1974, que a sociedade está viciada no hábito do crescimento exponencial. Visto sob a ótica da estabilidade social, tal vício torna-se salutar à medida em que substitui a igualdade de renda. “Enquanto se cresce se tem esperança, e ela faz tolerar grandes desigualdades de renda“, na tradução livre das palavras de outro famoso economista, H. C. Wallich. Qualquer problema induzido pelo crescimento é solucionado por mais crescimento. E assim, nessa tentativa de moto contínuo, estamos: crescendo para “matar a fome” (nenhuma analogia ao Bolsa Família!) e assim “matando” a Mãe Natureza que nos abriga.
Não deve-se escolher entre crescer ou preservar: é o “sistema econômico” que está inserido no “sistema da terra”, não o contrário. Chamemos de welfare, ou bem estar social, o objetivo maior de uma sociedade, simplificando conceitos subjetivos como felicidade, segurança, saúde, oportunidade. Mas se o PIB não crescer ao menos 4% sobre o ano anterior, não atingiremos o welfare, certo? Errado!
O PIB (medida quase endeusada até mesmo por quem sequer sabe que ela significa o valor, a preços de mercado, de todos os bens e serviços produzidos em um país dentro de um ano) traz apenas parte do welfare através dos valores das necessidades humanas básicas que ajudam a compô-lo. Enquanto não cabe pormenorizar os diversos argumentos que facilmente desbancam o PIB como medida de welfare, mesmo após dividi-lo per capita, o resumo é que ele:
- aumenta quando poucos ganham muito, embora muitos possam ter perdido tudo para isso (não mostra a desigualdade de distribuição);
- aumenta quando atividades migram da informalidade para o mercado formal, sendo que há no mínimo uma manutenção de welfare (sendo mais provável uma redução);
- não distingue custos de receitas, mas sim as soma (se um contador fizesse “a conta do PIB” para uma S/A estaria sumariamente demitido, quiçá expulso do CRC!); e
- aumenta quando danos ambientais e à saúde são causados, mesmo sendo estes uma clara redução de welfare.
Ademais, o PIB é uma medida estática, sendo que estamos numa constante dinâmica envolvendo demografia, tecnologia, organização social, preferências, acordos internacionais, qualidade do meio ambiente.
A inverdade de welfare crescente trazida pelo PIB crescente é uma peça chave na resolução dos problemas ambientais, apesar de pouquíssimo discutida no âmbito tanto das questões ambientais como das ciências sociais. Para se compreender tal relação é preciso esclarecer o conceito de externalidade: a maximização do bem estar individual contribui para a maximização do bem estar social através da alocação de recursos escassos para seus usos mais produtivos através da economia de mercado. Quanto mais perfeito o mercado é, melhor essa alocação será. Simples assim. O problema é que, por inúmeras razões (dentre elas:
- inexistência de um mercado;
- competição imperfeita;
- existência de bens públicos;
- inexistência ou má alocação de direito de propriedade;
- informação incompleta; e
- altos custos de transação), existem falhas de mercado que fazem com que os custos sociais sejam maiores do que os custos individuais, chamados de externalidade.
Quando uma fábrica lança seus efluentes num curso d’água, seus custos não se alteram, sendo que os custos para a sociedade (principalmente daqueles à jusante) aumentam.
A única forma de resolução efetiva e eficiente para os problemas ambientais globais é a internalização das externalidades. Ao se refletir as externalidades sociais nos custos privados o “fator de produção terra” terá seu real custo de escassez trazido à tona, desencadeando uma realocação dos demais fatores de produção (trabalho, capital, tecnologia e empreendedorismo) para seus fins mais eficientes. Seguindo o exemplo da fábrica que lança livremente seus efluentes poluidores rio abaixo, a sociedade iria cobrar diretamente dela (batendo diretamente em sua porta ou através de um aumento no custo do seu produto) os recursos cabíveis para que se reparasse os danos causados pela poluição. Em última análise, a empresa investiria no tratamento de seus efluentes, por mais que isso causasse um acréscimo no preço de seu produto. Enquanto alguns bens e serviços teriam seus preços ajustados para cima, a sociedade como um todo ganharia -de forma mais igualitária- por ter menos impactos ambientais, ar e água limpos etc. (welfare!).
A internalização das externalidades ambientais pode e deve começar pela reformulação da nossa medida “mor” de crescimento, o PIB, da seguinte maneira:
- subtraindo os custos incorridos pela poluição e degradação ambiental;
- subtraindo a redução irreversível (isso é, não reciclável) nos estoques de recursos naturais;
- subtraindo os gastos com defesa;
- subtraindo os gastos com tratamentos de saúde;
- subtraindo custos sociais tais como manutenção de cadeias, divórcios etc.;
- equalizando a distribuição de renda; e
- adicionando o trabalho informal. Assim ter-se-ia uma medida efetiva de welfare.
Por mais Herculana que a tarefa de internalização das externalidades ambientais (os dois primeiros itens acima) possa parecer, não é: o chamado PIB Verde já foi calculado por diversos economistas para diversas economias do mundo.
Um dos exemplos mais notáveis do PIB Verde vem da China: em 2004 o então Premier Wen Jiabao anunciou que descontaria do PIB os custos financeiros incorridos com poluição. Em sua primeira e única medição, em 2006, o PIB Verde Chinês revelou uma redução de 3,05% no crescimento do país, sendo que em algumas províncias o afamado crescimento econômico ficou perto do zero. Em uma clara demonstração de eficiência do uso do PIB Verde ao expor os quase inaceitáveis danos ambientais ocorridos no país, o Governo rapidamente desabonou o indicador e nunca mais o publicou. Acabou em pizza à moda Chinesa: não se fala mais nisso e ponto final.
Apesar de simples, a solução aos problemas ambientais apresentado pela Economia Ambiental passa necessariamente por decisões políticas, sendo os governos os maiores geradores de externalidades…